sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

O Uso Prioritário de Equipamento Não-letal

Ou, no português-comum: "Chamem o Batman, o Estado Pirou". Ah: Isso aqui não é um texto de Esquerda. Nem de Direita. Só de (um pouco de) bom senso.

Foi aprovado pelo Senado Federal - há um mês, já, compatriotas. 'Cês tão meio desatualizados. - um projeto de Lei, sancionado quarta - 22/12/14 - (aqui, ó, o parecer na íntegra, inclusive especialmente mal escaneado - porra, estagiário) que determina que policiais e agentes da Lei devem priorizar o uso de equipamentos não-letais em suas coações à bandidos; na verdade, o substitutivo em questão trata principalmente das armas de fogo, porque o no que tange às armas cortantes, já existe a aprovação. Obviamente isso causou determinada comoção, especialmente após a (sensacional) página "Notícias do Senado" (se você ainda não curtiu, agora é a hora, amigão; garanto que é bem mais interessante e verídico do que "Fatos Desconhecidos", "TV Revolta" ou demais lixos do gênero) publicar um escopo da notícia. Na minha opinião, a página pecou em não deixar claro alguns detalhes, mas o Críticas Óbvias deu uma esquadrinhada no tema e, não precisa se preocupar, vamos dar argumentos melhores do que "ai meu deus estão favorecendo a bandidagem". Vamos deixar algumas coisas bem claras antes de partir para o esclarecimento. A primeira delas é que, você, leitor atento que é, percebeu que o original é de 2005; ou seja, há nove anos existe o trâmite desse troço. A segunda é que a repressão do Estado ao tráfico de drogas e ao marginal em geral, evidentemente, não está dando certo, vide os absurdos números de reincidência criminal e o degradé "evolutivo" da violência urbana; mas o projeto NÃO INTERFERE nesse caso. Veja só: A proibição de uso do equipamento letal é apenas nos seguintes casos:
 - contra pessoa em fuga que esteja desarmada ou que não represente risco de morte ou de lesão aos policiais ou a terceiros; e
- contra carro que ultrapasse bloqueio policial em rua pública, exceto nos casos em que a ultrapassagem represente risco de morte ou lesão aos policiais ou a terceiros.
Dito isso, vamos pensar um pouco.

Que diabos significa essa "prioridade"? 
Basicamente o projeto de Lei transforma o uso desse equipamento em OBRIGATÓRIO exceto em vezes que a integridade física do policial esteja em perigo. Em outras palavras, ações ostensivas de REPRESSÃO (onde o delinquente não irá reagir), e, em caso de reação, está PERMITIDO o uso de armas de fogo. Ou seja, basicamente o policial terá que optar primeiro pela arma não-letal. Me parece racional e definitivo esse argumento. Mas, naturalmente, a sociedade ainda evoca dúvidas.

Quando a vida do agente da Lei não está em perigo?
Todas as vezes que a atividade for uma revista, um bloqueio/blitz, uma apreensão de drogas com usuários. Sabe aqueles caras fumando maconha na pracinha? O camelô vendendo bugiganga contrabandeada? Se a polícia achar que deve apreender a substância, que tipo de resistência esses caras podem dar, exceto uns tapas?

Vamos lembrar de um caso bem recente, do policial que matou à sangue frio um camelô. Um deles estava imobilizado (os braços são arma não-letal, também? Porque aquele cara tava quase sufocando...), e quando outro tentou atingir o spray de pimenta de um dos policiais, este repreendeu-o com um tiro. Na cabeça. Se a arma fosse não-letal, talvez o camelô estivesse sem um olho agora, mas provavelmente vivo. Será que o que ele fez é justificativa para tomar-lhe a vida?

Por mim já pararia por aqui. Mas prosseguimos.

Despreparo (ou falibilidade) do policial 
Nada mais é que uma continuação do parágrafo anterior. O policial que matou o camelô naquela oportunidade não é um caso aleatório; conforme texto da aprovação, o número de "homicídios causados em ação policial" só fez aumentar nos últimos tempos. Isso é uma somatória de fatores: não se trata necessariamente só da polícia despreparada e sem caráter valorativo da vida humana, mas também de eles terem meios para causar lesões irreversíveis ou mortes com facilidade. Há, também, certo malcaratismo em potencial aqui que merece ser mencionado, mas que você deve chegar à conclusão sozinho.

Matemática
Lógica simples, amiguinho. Com menos arma de fogo nas ruas, diminui consideravelmente a chance de VOCÊ  levar um tiro no meio dessa sua fuça. Independente das mãos de quem esteja, o disparo da arma pode lhe atingir, um mero transeunte, ou uma criança que escapou das mãos dos pais. E, durante horários comerciais e em grandes centros, tiroteios são raros: como já exposto, é o policial que acaba disparando. Quando você está saindo da balada, o assaltante muito raramente vem com uma arma de fogo (às vezes nem com arma nenhuma); o tiro vem da força coercitiva. Ou seja, a chance de levar uma bala aqui tende a zero.

Proteção à vida humana
Sim, sim, ninguém gosta de bandido. Nem eu. Claro, acho que existem mais coisas por trás do delito do que o simples delito, mas mesmo essa ação precisa sofrer represálias, seja pelo motivo original que for - mesmo que consideremos Durkheim, por exemplo. Portanto, é justificada a coerção estatal, ainda que ocorra de modo estabanado aqui no Brasil. Acontece que a. existem casos de má interpretação do policial, onde não há delito e um civil acaba se ferindo b. um delito patrimonial NÃO VALE UMA VIDA, nunca. Se há a possibilidade de proteger o cidadão e ao mesmo tempo não acabar com a vida (ou produzir uma lesão permanente), essa possibilidade precisa ser respeitada, meramente para não cairmos em contradição de valores.

Não há lucro aos bandidos
Cê acha mesmo que é uma VANTAGEM ser ferido e preso ao invés de morrer?
Falta de pensamento crítico pura, hein?
Lembrem-se que antes de marginais ou aristocratas, somos seres humanos e estamos sujeitos à erros. Tanto eu e você (lugar errado na hora errada) como o policial (e isso não necessariamente denota incompetência, muito menos falha de caráter).


O que eu quero dizer com todo esse texto? Muito simples. Antes de evocar exu para as medidas governamentais, faz bem à sanidade social (e mental, em alguns casos) que leia-se o texto exposto. Evitar que policiais usem armas de fogo em situações que não devem usar é um controle da força coercitiva absolutamente necessário e racional. Tenho certeza que com cinco minutos de introspecção vocês acham argumentos ainda melhores que os expostos. 


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(De outro lado, quanto mais se evidencia essa violência policial excessiva (abusiva), mais vai ganhando credibilidade a tese de que vivemos mesmo num permanente estado de guerra civil de todos contra todos. Mais se escancara a tese da profunda degradação ética e moral das nossas instituições. “Em países multiétnicos ou multirreligiosos como o Brasil, com grandes populações marginalizadas, a maquiagem étnica e religiosa da polícia busca refletir o padrão de domínio social. As várias combinações possíveis de terrorismo policial, repressão social, subdesenvolvimento institucional, imobilizam a polícia brasileira em um estado de falência moral e social crônica)

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