Esse será um post recheado de academicismos (como este!), o
que torna tudo um pouco irônico. Eu sou uma pessoa que fala difícil. Isso acaba sendo muito mais um problema do que uma
qualidade; garanto a vocês que não impressiono mulheres quando falho
miseravelmente no uso de mesóclises (pois é. Eu falo difícil e errado). Mas é uma característica
adquirida por certa bagagem literária e por ser, no cerne, um acadêmico de
direito. “Cerne”. Que palavra horrível...
Existe toda uma espécie de devoção formal à língua portuguesa escrita da maneira mais
rebuscada que se possa imaginar. Com efeito, vemos profissionais do direito,
políticos e coisas do tipo utilizando-se
exaustivamente de palavras “incomuns”, apenas pelo regozijo de escrever
formalmente. Provarem-se conhecedores da língua às outras pessoas que nada
esperam exceto também provarem-se conhecedores da língua. A burocracia
brasileira adora isso; é uma espécie de ostentação
fora do normal, por eles chamada de “deleite imensurável” ou qualquer coisa
do nível.
Entretanto, é óbvio que essa língua não é utilizada no
dia-a-dia para se comunicar, nem mesmo pelos
juristas, acadêmicos bocós, etc. Então, é discutível o motivo da sua
existência; a utilização prática dela é nula, e mesmo onde é aplicada, poderia
ser substituída por algo menos ortodoxo.
Vejamos.
A origem do uso português
formal, este mais próximo do português clássico de Portugal e mesmo do latim,
está completamente veiculada à imagem de “alto
nível” que seus usuários querem vender. Trocando em miúdos, historicamente,
a baixa língua é utilizada pelas bocas-miúdas; aqueles analfabetos, mendigos,
negros, paupérrimos. Não querendo se misturar com essa gente, os legisladores
(em especial) – com a falsa noção de mundo de estar acima da sua própria lei –
usavam essa língua, espécie de distintivo. O emprego ainda é dos mesmos
mencheviques (estamos falando russo
aqui e aposto que você nem percebeu – a wikipedia, mais confiável fonte da
internet, explica que a palavra “menchevique” é um derivativo da palavra russa большинство, “minoria”. Como não
existem abrasileiramentos para a tal palavra russa, utilizei menchevique para
dar a ideia de minoria. A comunicação é algo fantástico, mas pode ser uma bosta
– é o caso). Com isso, podemos concluir que o apego à esse português nada mais
é que uma forma de se agarrar ao tradicional, de sentir-se superior pelo
emprego do desconhecido.
Também podemos rapidamente
concluir sobre o eurocentrismo que a utilização do português tradicional
remete; é óbvio que queremos (para nos sentirmos superiores) parecer com os
Lordes Europeus, mesmo que façamos isso inconscientemente, apenas por respeitar
o padrão-tradicional vigente.
Entretanto, há grande
discussão sobre o português coloquial. Digo, se ele é coloquial, por que
existem regras tão rígidas sobre sua estrutura? A resposta se concentra, na
minha opinião, dentro da fonética do nosso idioma. Nossa leitura é
completamente influenciada por nossa fala, nós pronunciamos tudo; é por isso
que sinais gráficos e acentos são tão importantes. Mas, vejamos, letras
maiúsculas? Bem, é uma espécie de consenso, pelo menos dentre as línguas
latinas. Imagino que seja difícil ver o ponto final – por exemplo – em algumas
situações, de modo que precisamos da inicial maiúscula subsequente para dar o
devido destaque. Quero dizer que existe
um motivo não-subjetivo para a existência de cada uma das considerações – que
são, afinal, rígidas, mas coloquiais – sobre o português informal.
Os linguistas, em sua
maioria, a-do-ram dizer que “o que vale é a comunicação, a grafia é menos
importante”. Como considero a grafia como um elemento básico para a comunicação, entendo que as regras do português
coloquial servem apenas para ajudá-lo; com efeito, seu estudo deve ser aplicado
porque a comunicação correta é mais
agradável, mais fácil. Mas é incomum que as pessoas pensem assim; poucos
escrevem corretamente, inclusive este que está aqui criticando a falta de
capacidade de escrita dos outros está fazendo uso do autocorretor do Word
(obrigado, tecnologia, por me fazer soar menos hipócrita). Também observamos que existe uma espécie de
português super-coloquial, algo que está além do “vc” e do “pq” – estes estão
praticamente integrados. Essa língua é entupida de neologismos, cercada de
pequenos erros de grafia, e pouco compreendida pelo Brasil inteiro (vá até São
Paulo e peça uma bera, caro curitibano. Eu o desafio).
O mais engraçado ainda está
por vir: Este português super-coloquial
é visto pela maioria das pessoas, especialmente as não tão jovens de corpo,
como uma apologia à pobreza; ou seja, nosso querido e precioso português
coloquial está tomando as vezes do
português jurista. Irônico. Pra caramba. Estamos elevando o português coloquial
ao classi-medismo. E, tal qual a burocracia, não percebemos isso.
Particularmente, acredito
que deveríamos – no mínimo – respeitar esse português “não educado”; é a
representação linguística de uma sociedade, de uma turma. As pessoas no mesmo
rolê falam a mesma língua. Eles não precisam de regras; se entendem, e é o que
basta para a comunicação. Concordo que é
indesejável que essa comunicação tome espaços públicos, pelo simples motivo de
ser completamente orientada aos que falam o idioma; mas não abolida, quiçá
desencorajada. A língua muda de acordo com a sociedade, e a breja está tão presente hoje quanto os brotos de outrora. Não faz sentido
pedestalizar uma linguagem que tem como objetivo de existência a propagação da
própria linguagem.
Com isso, vamos ao meio
acadêmico. Não nas escolas superiores de português, mas à educação de crianças;
falei, nesse texto, das “três” linguagens que vejo existindo e gostaria de
evidenciar seu uso. Acredito que o português a ser ensinado é o coloquial.
O super-coloquial não tem e nem deve ter lugar na escola, porque contraria sua
própria essência – imagine se definíssemos que rolê tem circunflexo no “E”! –
enquanto o tradicional deve ser explicado, mas não encorajado, como é feito em
muitas escolas. Alunos pedantes não são alunos melhores. Um vocabulário extenso
é desejável pela desenvoltura que isso dá para a pessoa, mas não para a
utilização cotidiana do brasileirismo arcaico. Que todos nós falemos o
português que quisermos, e mostremos o que todos compreendam.
É válida, portanto, a
atitude de corrigir erros em palavras expostas, mas é inválida a repreensão ou o estereotipamento de quem utiliza termos que você “despreza”; você pode cair na
própria armadilha.
Ah, agora uma deixa: tenho
certeza que você – leitor atento que é – deve ter percebido que eu cumpri minha
palavra e enfiei um monte de termo escroto no texto; desnecessariamente
escroto. Flertei com o sarcasmo e com técnicas de escrita também. Isso é para
mostrar que a comunicação é importante – e ela não precisa se ater a só um tipo
de escrita. Inclusive, formalizar e inserir todos esses termos idiotas não facilita a compreensão e nem dá necessariamente confiabilidade ao texto: é só um jeito - bem babaca - de se mostrar. Uma elitização e um culto ao português culto. Por sinal, preciso terminar meu pão com vina e ir trabalhar.
2 comentários:
Caramba. Achei foda a tensão criada pelos termos coloquiais numa escrita muito bem elaborada. Concordo com o que você diz sobre falarmos o português que quisermos, afinal, o mais importante é a comunicação das ideias e não a polidez dos significantes. Mas acho válido o emprego arcade em prosas como a sua. No fim das contas, quem lida com língua não consegue escapar do culto. As vezes é o que, na ausência de qualquer outra divindade, é o que se conecta às nossas pulsões por transcendência.
eu fico sem saber o que dizer com comentários assim. Mas li todos. E o seu, dói profundamente em saber que não sou mais essa pessao hoje.
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