Eu sei. Um texto de
autoajuda na internet é tão vazio quanto uma garrafa de cerveja nas mãos
certas. Você provavelmente já leu tantos que esse aqui vai ser só uma
passada-de-olhos, não uma própria leitura; mas não tem problema. Na verdade,
esse texto não é sobre você – é sobre mim. Mas perceberemos que temos muitas
coisas em comum, e talvez essa “solucionática” servirá também para você, caro
interlocutor silencioso. Adiante...
É muito comum a nós,
arrogantes membros da geração com menos presilhas civilizacionais e com o mundo
na ponta dos dedos, que esse estado líquido que temos em relação ao universo
seja voltado, também, a nós mesmos. Não raramente, observamos jovens
descontentes pois não conseguem “se encontrar”; ou seja, não conseguem firmar
suas próprias personalidades dentro deste mundo multicultural e invasivo, não
conseguem construir-suas-casas-em-rocha (pois é, estou usando uma parábola
recontada pelos seus pais para exemplificar; que exemplo de autor, n’é?) porque
a rocha parece tão distante, e nós queremos
tanto ser alguém...
Para mim, o problema inicial
está nesse querer. “Querer” e “gostar”
são palavras essenciais em qualquer pessoa do meio dos anos 90; não existe um
futuro, não existe uma preparação, é só a soma do “querer” com o “gostar”. Com
isso, sempre parece que estamos distante demais do que merecemos; é muito
exigir que nosso “querer” e “gostar” sejam coisas construtivas. Pelo contrário,
normalmente são destrutivas. Então ficamos nós com aquela cara de interrogação e
pensando sobre “por que não deu certo?”, quando a resposta estaria na ponta da
língua do seu avô se você perguntasse para ele: quantos quilômetros de “pé-no-chão”
você andou para conseguir esse objetivo?
Sério, você não é especial.
Parece evidente que todo
caminho exige sacrifícios. Quando paramos para pensar, é dolorosamente,
ridiculamente óbvio. O que não é assim tão óbvio é que os sacrifícios que
fazemos – ou devíamos fazer em prol de determinado objetivo – são também
escolhas. Agora pasme – nós somos forçados a fazer coisas que não queremos,
tampouco gostamos, se temos algo maior em mente. Não “estar afim”, ou não ter vontade de fazer alguma coisa, não é razão
para que ela não seja feita, se quisermos uma estabilidade futura. É por isso
que acostumar com o gosto amargo da decepção é uma boa escolha; muitos dos
caminhos que tomaremos será infrutífero, circular, frustrante. Infelizmente nós não vemos a faca quando damos
murros nela, e não há antídoto para isso.
É fato que colecionam-se
mentes brilhantes no mundo. Não temos
mais um Einstein, temos centenas; mas, junto com esse brilhantismo todo,
observamos um súbito aumento de doenças psicológicas, depressão e coisas do
tipo. Uma explicação superficial me convence: As pessoas, por serem
desgraçadamente inteligentes e terem muito acesso às coisas – e portanto
acostumadas com certo nível de sucesso – desaprendem a perder. Desaprendem a
abaixar a cabeça quando algo dá errado, desaprendem a recomeçar. Funcionamos em
uma velocidade tão alta, tão diferente do resto das pessoas (os “coroas”,
palavra que, por alguma razão, nunca saiu de moda) que ficamos incompreensíveis,
contraditórios; e não importa quanta tecnologia tenhamos, simplesmente não
podemos dar um passo maior que a perna e entendermos algo que não dá para
entender.
É por isso, na minha visão,
que as pessoas “se perdem de si mesmas”. É por isso que tanta gente cruza os
braços, no meio de uma situação eufórica, sentindo, na verdade, frustração. Mas
há algumas vantagens em estar perdido; a primeira coisa é que, quando nos
tocamos de que algo está errado,
podemos começar a buscar soluções. Não há nada melhor para um ego ferido do que
resolver seus próprios problemas – já percebeu que tudo que você ainda não
conseguiu fazer parece intransponível? E então, quando você efetivamente
resolve algo impossível, não há como não se sentir bem. Por isso, a primeira
coisa que deve ser perguntada é: Eu tenho um problema? Como resolvê-lo?
A arte de empurrar com a
barriga, conhecida popularmente como “procrastinação”, que é outra palavra que entrou em moda, é também
um passo certo para a frustração. Resolvemos o que nós quisermos em cinco
segundos – muitas vezes literalmente, mas ainda reclamamos da burocracia do
Governo ou do maldito site que caiu – e portanto a noção de “compromisso” e “prazo”
fica muito decantada. Com efeito, é notoriamente claro que se você demorar
muito para fazer algo, esse algo tende a crescer e complicar, tornando-se mais
difícil a cada segundo perdido. Se você não dispõe de cinco para fazer uma
coisa “porque não quer”, precisará dispor de bem mais do que isso quando for “obrigatório”.
A conclusão é que temos
dezenas de jovens inteligentes, porém
pouquíssimos producentes e menos
ainda competentes. Todas as noções
são tão fáceis que até eu, um exato e perfeito exemplo do que descrevi no
texto, as conheço. Mas a inaptidão mental é tão complicada que reafirmo:
conhecer a teoria é uma coisa. Fazer é que são elas!
6 comentários:
É a triste verdade que muitos de nós sabemos mas não fazemos nada a respeito. Bom texto.
Cara vc é foda, texto genial.
Tapa na cara de todo mundo, nao so dos anos 90, e acho que até de vc mesmo. Legal ver sua consciência, quem te acompanha sabe dos seus problemas que n estão listados aqui. Parabéns.
maravilhoso!
"É por isso que acostumar com o gosto amargo da decepção é uma boa escolha; muitos dos caminhos que tomaremos será infrutífero, circular, frustrante. Infelizmente nós não vemos a faca quando damos murros nela, e não há antídoto para isso."
Sabe, acho que esse é um dos meus maiores medos. Meu maior problema nunca foi a procrastinação, mas justamento o contrário: ir seguindo de desafio a desafio (se é que posso chamar assim), sempre para o próximo passo, me afogando em uma rotina maluca, até mesmo acabando comigo física e psicologicamente no processo, sem ter certeza se realmente quero chegar àquele lugar para onde caminho com tanto afinco. Mas não sei para onde mais iria, se não fosse lá, e ficar parada me deixa angustiada, então continuo, esperando que no final tudo dê certo. Seu texto me fez refletir sobre isso.
Enfim, ótimo texto. Você escreve cada vez melhor. Fico feliz que o direito não tenha te estragado haha. <3
Caramba, escrevi recentemente sobre o tema, mas esse texto organizou de uma forma muito mais concreta. Um tapa na cara diário que toda a nossa geração precisa. E a sua contraposição de inteligência com competência não podia ser mais apropriada.
Mas o pior é que estamos gerando seres cada vez mais conscientes da própria inteligência, tão conscientes que até se cegam quanto a isso, quando o ego os coloca acima das suas capacidades. Resultado: gente com medo das próprias críticas. Autoconsciência paralítica.
Ganhou mais um leitor, abraço.
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